sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Filósofo ou criança? Artista!

 
(...) a única coisa que precisamos para nos tornarmos bons filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas.
Todo mundo sabe que os bebês possuem essa capacidade. Depois de alguns meses na barriga da mãe, eles são empurrados para uma realidade completamente diferente. Mas depois, quando crescem, parece que essa capacidade vai desaparecendo. Como se explica isto?
Vamos ver, se um bebezinho pudesse falar, na certa ele diria alguma coisa sobre o  novo e estranho mundo a que chegou. Pois apesar da criança não saber falar, podemos ver como ela olha ao seu redor e quer tocar com curiosidade todos os objetos que vê.
Quando vem as primeiras palavras, a criança para e diz "Au! Au!" toda vez que vê um cachorro.
Para nós que já deixamos para trás alguns anos de nossas vidas, o entusiasmo da criança pode até parecer um tanto exagerado. "Sim, sim é um au-au, dizemos nós os "vividos". mas agora fique quietinho." Não ficamos muito entusiasmados, pois já vimos outros cachorros antes.
Esta cena insólita talvez se repita por algumas centenas de vezes, até que a crainça passe por um cachorro, ou um elefante, ou por um hipopótamo sem ficar fora de si.
Mas muito antes da criança aprender a falar corretamente - ou muito antes de ela aprender a pensar filosóficamente - , ela já se habituou com o mundo.
 Ao que tudo indica, ao longo da nossa infância nós perdemosa capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo.  Mas com isso perdemos uma coisa essencial - algo de que os filósofos querem nos lembrar. Pois em algum lugar dentro de nós, alguma coisa nos diz que a vida é um enigma. e que já experimentamos isto, muito antes de aprendermos a pensar.
Para aas crianças, o mundo- e tudo o que há nele- é uma coisa nova;algo que desperta a admiração. Nem todos os adultos vêem a coisa desta forma. A maioria deles vivência o mundo como uma coisa absolutamente normal.
Os filósofos e as crianças têm, portanto, uma importante característica em comum. Podemos dizer que um filósofo permanece a sua vida toda tão receptivo e sensível às coisas quanto um bebê.(...) se você balança a cabeça e não se sente nem como criança, nem como filósofa, a explicação para isto é que você já se acostumou tanto com o mundo que não consegue mais se surpreender. Neste caso, você corre perigo.
Vamos resumir: um coelho branco é tirado de dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, essse truque leva bilhões de anos pra acontecer. Todas as crianças nascem bem na ponta dos finos pêlos dos coelhos. Por isso elas conseguem se encantar com a impossibilidade do número de mágica a que assistem. Mas conforme vão envelhecendo elas vão se arrastando cada vez mais para o interior da pelagem do coelho. E ficam lá. Lá embaixo é tão confortável que elas não ousam mais subir até a ponta dos finos pêlos, lá em cima. Só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existência.
Alguns deles não chegam a concluí-la, mas outros se agarram com força aos pêlos do coelho e berram para as pessoas que estão lá embaixo, no conforto da pelagem, enchendo a barriga de comida e bebida:
 -Senhoras e senhores - gritam eles-, estamos flutuando no espaço!
Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se interessa pela gritaria dos filósofos.
- Deus do céu! Que caras mais barulhentos! - elas dizem. E continuam a conversar: será que você poderia me passar a manteiga? Qual a cotação das ações hoje? Qual o preço do tomate? (...)

(trechos extraidos do livro O mundo de Sofia de Jostein Gaarder)

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